Belo Horizonte, 28 de janeiro de 2022.
NOTA TÉCNICA Nº 01/2022
ASSUNTO: Lei nº 14.046/2020 com redação dada pela Lei nº 14.186/2021 – Limitação temporal (= 1º.01.2020 a 31.12.2021) inserida no caput do art. 2º
A Lei nº 14.046/20201, com redação dada pela Lei nº 14.186/2021, dispõe em seu art. 2º que “[n]a hipótese de adiamento ou de cancelamento de serviços, de reservas e de eventos, incluídos shows e espetáculos, de 1º de janeiro de 2020 a 31 de dezembro de 2021, em decorrência da pandemia da covid-19, o prestador de serviços ou a sociedade empresária não serão obrigados a reembolsar os valores pagos pelo consumidor, desde que assegurem: I – a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos adiados; ou II – a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos disponíveis nas respectivas empresas.”
Já o §9º do art. 2º acima referido dispõe que “[o] disposto neste artigo aplica-se aos casos em que o serviço, a reserva ou o evento adiado tiver que ser novamente adiado, em razão de não terem cessado os efeitos da pandemia da covid-19 referida no art. 1º desta Lei na data da remarcação originária, e aplica-se aos novos eventos lançados no decorrer do período sob os efeitos da pandemia da covid-19 que não puderem ser realizados pelo mesmo motivo.”
A limitação temporal (= 1º.02.2020 a 31.12.201) inserida no caput do art. 2º acima transcrito tem ocasionado dúvidas quanto à aplicação da Lei nº 14.046/2020 aos eventos adiados a partir de 1º de janeiro de 2022, quando ainda não cessados os efeitos da pandemia de COVID-19, situação prevista no §9º.
No entanto, o conflito entre o caput e o §9º do art. 2º da Lei em tela é apenas aparente, pois tais dispositivos não podem ser analisados de forma isolada, devendo ser interpretados de forma sistemática, pois o objetivo da Lei nº 14.046/2020 foi atenuar os efeitos da pandemia de COVID-19 nos setores de eventos, cultura e turismo, não se justificando sua interpretação de maneira que venha a prejudicar os referidos setores.
Com efeito, ao estipular o limite temporal até 31 de dezembro de 2021, a hipótese implicitamente assumida pelo legislador era de que a pandemia estaria encerrada ou, no mínimo, sob controle até essa data, o que permitira que os eventos e demais negócios do setor de cultura e entretenimento retomassem a normalidade gradativamente e pudessem ser promovidos sem restrições que impedissem sua realização.
Diante do cenário de normalidade presumido a partir de 1ª de janeiro de 2022, não mais se justificariam as adequações e disposições especiais da Lei nº 14.046/2020, retornando a plena aplicação da legislação de regência para cenários de normalidade (Código de Defesa do Consumidor, Código Civil, etc…).
1 Dispõe sobre medidas emergenciais para atenuar os efeitos da crise decorrente da pandemia da covid-19 nos setores de turismo e de cultura
Ocorre que o cenário de normalidade não foi restabelecido, persistindo os efeitos da pandemia de COVID- 19, o que justifica a aplicação do caput do art. 2º, com base na previsão de seu §9º, que dispõe sobre a hipótese de “a reserva ou o evento adiado tiver que ser novamente adiado, em razão de não terem cessado os efeitos da pandemia da covid-19” e estipula a aplicação do dispositivo “aos novos eventos lançados no decorrer do período sob os efeitos da pandemia da covid-19 que não puderem ser realizados pelo mesmo motivo” (grifos nossos).
Doutra banda, a limitação temporal do caput do art. 2º, quando interpretado de forma isolada, pode dar ensejo à intepretação de não mais aplicação da Lei nº 14.046/2020, sobretudo se esta lei não for interpretada de forma sistemática e diante do Princípio da Interpretação Mais Favorável ao Consumidor (art. 47 do CDC), já existindo manifestações2 no sentido de que as regras do CDC devem prevalecer e ser integralmente aplicadas, não mais se aplicando a Lei nº 14.046/2022.
À luz das breves considerações acima, em que pese o veemente entendimento da ABRAPE quanto à aplicação da lei em epígrafe diante da persistência dos efeitos da pandemia de COVID-19, a fim de evitar litígios e demandas judiciais decorrentes das diferentes interpretações que podem ser atribuídas aos dispositivos legais acima mencionados, a ABRAPE recomenda a adoção das medidas necessárias à alteração da atual redação do art. 2º da Lei nº 14.046/2020 para afastar a limitação temporal atualmente ali prevista, tal como a edição de uma Medida Provisória para tal finalidade.
Apresentados os esclarecimentos e posicionamento sobre o tema, a ABRAPE, através da assessoria e diretoria jurídica da entidade, permanece à disposição.
Atenciosamente,
ABRAPE – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PROMOTORES DE EVENTOS
Assessoria Jurídica – Diogenes Andrade Neto (OAB/PE Nº 18.500) Diretoria Jurídica Nacional – Daniel Moraes de Miranda Farias (OAB/PE Nº 21.694).
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