“A primeira regra da economia é a escassez, a primeira regra da política é ignorar a primeira regra da economia.”
A frase do economista norte-americano Thomas Sowell relata com uma precisão ímpar a essência de ambos. A princípio, ambos – economia e política – não parecem ter interesses tão distintos. A economia estuda como maximizar o bem-estar da sociedade utilizando da melhor forma possível os recursos existentes. E os políticos, bem… são eleitos exatamente com esta função.
Na prática, porém, as coisas são um pouco diferentes. Seja você um político eleito em um país com financiamento privado de campanha, como os Estados Unidos, ou um político eleito no único país com 100% de financiamento público de campanha, o Butão, você ainda estará sujeito a interesses específicos. A lógica é simples. Ao colocar nas mãos de políticos o poder de destinar 40% dos recursos da economia e regular os demais 60%, a política atraí todo o tipo de pessoas e causas em busca de privilégios, direitos e benefícios.
Mas o que exatamente a meia-entrada tem a ver com tudo isso? Nada que um livro de história não explique. Alterar a lógica de formação dos preços (regida pela oferta e demanda de bens e serviços) é a mais clássica tarefa da política. Desde o mercantilismo, políticos definem cotas de importação, criam barreiras de entrada e certificações para reduzir artificialmente a oferta ou supostamente elevar a demanda.
Não deveria ser novidade para ninguém – especialmente para os brasileiros grandinhos o suficiente para saber o que significa a expressão “fiscais do Sarney” – que alterar os preços de um produto na base de uma canetada não é uma boa ideia. Mas a tentação de ignorar experiências passadas e buscar diferenças para as atuais é algo bastante tentador e muitas vezes lucrativo, especialmente se você for parte do grupo de interesse atendido.
As regras da política que tornam a manipulação de preços uma ideia tão tentadora podem ser exemplificadas pelo que os economistas chamam de “custos dispersos e benefícios concentrados”. A ação de políticos que cria direitos atua como uma ação que transfere recursos de um grupo maior (em geral toda a população), para um grupo menor da população. Mas por que isso ocorre e é naturalmente aceito? Grupos menores (em relação ao todo da população), como estudantes ou empresários, geralmente possuem maior representatividade do que a população em geral. Estes grupos menores dispensam recursos e tempo para garantir sua representatividade e fazer com que suas ideias sejam ouvidas. É assim que a democracia funciona.
No caso de grandes empresários essa atitude é mais evidente, uma vez que resulta em lucro direto. Uma associação empresarial como a ANFAVEA (Associação de Fabricantes de Veículos), por exemplo, que lance uma campanha para elevar impostos de importação sobre veículos importados, estará garantindo aos seus associados uma maior margem de lucro, e por isso, contará com financiamento garantido de seus associados – no caso aqui, as montadoras.
Mas a atuação política na busca por ganhos não se limita a empresas e suas buscas pelo lucro. Entidades como sindicatos, associações de estudantes ou organizações ambientais também dependem da demonstração de eficiência em garantir privilégios para justificar suas existências. Uma ONG como o Greenpeace que garanta a aprovação de leis anti-transgênicos, leis que combatam a poluição do ar, entre outras medidas ambientalistas, receberá maiores doações e assim expandirá sua atuação. Da mesma forma, uma entidade como a União Nacional dos Estudantes, reforça seu capital político junto aos seus associados ao conseguir a implementação de uma lei que determine que estudantes passem a pagar menos em eventos culturais – além do capital político, a UNE também reforça seu próprio caixa, uma vez que graças ao Congresso, a entidade comandada há décadas por organizações ligadas ao PT e ao PCdoB, possui o privilégio para determinar quais carteiras estudantis serão válidas. Cada carteira de estudante emitida garante R$ 20 à entidade.
Na aparência, ocultando o interesse econômico e político, são diversas as causas que justificam os pleitos. Podemos achá-las justas ou injustas, como a defesa do acesso à cultura, a preservação de empregos na indústria nacional, ou uma melhor qualidade de vida com a preservação do meio ambiente. Mas é necessário entender os efeitos provocados por estas leis, pois, ao contrário do que se supõe, uma lei não tende a parar em si mesma, gerando efeitos não previstos – as chamadas externalidades.
Mas afinal, garantir maior acesso à cultura aos jovens é ruim? Posto desta forma, a resposta parece evidente – certamente não. O ponto a ser discutido é exatamente se a lei realiza aquilo que se propõem – e ao que tudo indica, a lei da meia-entrada passa longe de cumprir seu propósito.
Inicialmente o objetivo da lei é claro: reduzir preço de acesso a eventos culturais. Mas, como se reduz o preço de um bem ou serviço sem afetar seus custos (como cachês, hotéis, energia, impostos, salários, etc.)? A resposta é: não se reduz. Empresários que ofertam estes eventos, sejam donos de cinema, organizadores de shows ou afins, não irão de bom grado reduzir seus lucros apenas porque políticos entendem que os jovens ou aposentados devem ter maior acesso à cultura. Irão na medida do possível repassar estes preços.
Como então os empresários repassam seus custos? Imagine por um momento dois tipos de eventos. O primeiro possui um público-alvo mais jovem, afetado pela lei (como uma festa na faculdade, por exemplo). Agora imagine que o custo (incluindo o lucro) do empresário seja de R$ 50. Como então garantir o custo e o lucro cobrando meia-entrada? A resposta é simples: cobrando um ingresso de R$ 100 na inteira e R$50 na meia. Neste caso o estudante paga exatamente metade do dobro.
E em um evento onde não existam beneficiários da lei? Para o empresário o valor do ingresso segue apenas o padrão onde ele obterá o lucro e os custos – os R$50. Ou seja, nada muda com a lei.
Mas o cotidiano não costuma ser composto por situações como esta – e sim por casos em que ambos os públicos se misturam. Como ficariam as coisas neste caso? Dada a incerteza, o empresário teria de fixar um preço intermediário, entre R$ 50 (nenhum beneficiário) e R$ 100 (100% de beneficiários). Como então o empresário minimiza os riscos de prejuízos com a meia entrada? Fixando um preço mais próximo dos R$100.
Em resumo, a lei da meia entrada beneficia um determinado grupo de consumidores – mas certamente muito menos do que o esperado (uma vez que eles pagarão sempre acima do que seria efetivamente a metade do ingresso). E isso é apenas metade da história – tal benefício ocorre sempre em detrimento de uma parcela mais ampla, quase sempre esquecida pela política: aquela que não está inclusa na lei. Ou seja, a maioria esmagadora da população brasileira.
Felippe Hermes – Spotinik